A noção de “nova ordem mundial” tem evoluído desde o fim da Guerra Fria, quando a hegemonia unipolar dos Estados Unidos parecia incontestável. Hoje, o termo descreve um cenário muito mais dinâmico e complexo: a ascensão de um mundo multipolar, onde o poder e a influência são distribuídos entre diversas nações e blocos regionais. Essa transição é marcada por mudanças econômicas, tecnológicas e geopolíticas que redefinem alianças e prioridades globais.
Este novo ambiente é caracterizado não apenas pela ascensão de novas potências, mas também pela persistência de desafios globais que exigem cooperação, ao mesmo tempo em que políticas protecionistas e nacionalistas ganham força em algumas das maiores economias mundiais.
BRICS: Um Contraponto Crescente na Arquitetura Global
O grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é, sem dúvida, um dos pilares dessa transformação. Originalmente uma sigla econômica, o BRICS se consolidou como um bloco de cooperação política e econômica que busca reformar e democratizar as instituições de governança global. A essência do BRICS reside na sua capacidade de oferecer uma visão alternativa à ordem estabelecida, desafiando a primazia de instituições dominadas historicamente pelo Ocidente.
O papel fundamental do BRICS na nova ordem mundial é o de descentralizar o poder e fomentar uma maior representatividade de economias emergentes. Isso se manifesta na criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, que oferece financiamento para projetos de infraestrutura e desenvolvimento com uma governança mais inclusiva e sem as condicionalidades frequentemente atreladas a empréstimos ocidentais. Além disso, a busca por alternativas ao dólar em transações comerciais e o fortalecimento do comércio intradioma entre os membros são estratégias para reduzir a dependência econômica e fortalecer a autonomia do bloco.
O Protecionismo de Trump e o Fim de uma Era Globalista
Em paralelo à ascensão do BRICS e do multipolarismo, observamos a emergência de tendências protecionistas, exemplificadas pelas políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A sua presidência foi marcada por uma retórica e ações que priorizavam os interesses econômicos americanos acima das normas do livre comércio e da cooperação multilateral.
A taxação de produtos importados, como aço e alumínio, a imposição de tarifas sobre bens chineses e a renegociação de acordos comerciais como o NAFTA (substituído pelo USMCA) foram movimentos que representaram um desafio direto à globalização e à ordem econômica liberal que prevaleceu por décadas.
Esse protecionismo unilateral de Trump teve um impacto multifacetado:
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- Desestabilização do Comércio Global: As guerras comerciais geraram incertezas e afetaram cadeias de suprimentos globais, forçando empresas a reconsiderar suas estratégias de produção e distribuição.
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- Fortalecimento de Blocos Alternativos: As políticas protecionistas dos EUA, paradoxalmente, incentivaram países como os membros do BRICS a fortalecerem suas próprias parcerias comerciais e a buscarem maior autossuficiência econômica, acelerando a transição para um mundo multipolar onde a dependência de uma única potência é vista como um risco.
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- Crise de Confiança nas Instituições Globais: Ao questionar organizações como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a administração Trump erodiu a confiança na arquitetura global que regia o comércio e a resolução de disputas.
Em essência, enquanto o BRICS busca reformar a governança global a partir de dentro e de fora, as políticas de Trump representaram uma retração de uma das principais potências ocidentais dos compromissos globalistas, criando um vácuo e oportunidades para outros atores.
O Papel Estratégico do Brasil na Mudança da Ordem Mundial
O Brasil possui um papel complexo e potencialmente estratégico nesse novo cenário global. Como a maior economia da América Latina, detentor de vastos recursos naturais e uma democracia consolidada, o país tem o potencial de ser um ator-chave na articulação de interesses do Sul Global. Sua participação ativa no BRICS e em outros fóruns multilaterais é crucial para defender seus interesses nacionais e fortalecer sua influência geopolítica.
A diplomacia brasileira tem a capacidade de atuar como mediadora e defensora de uma ordem global mais equitativa, promovendo a cooperação Sul-Sul. No entanto, o desafio do Brasil reside em conciliar seus interesses comerciais e diplomáticos com as grandes potências ocidentais e, ao mesmo tempo, consolidar seu papel no BRICS e no contexto mais amplo do Sul Global. A capacidade de navegar entre esses diferentes polos e de projetar sua influência, especialmente em áreas como a segurança alimentar, a sustentabilidade ambiental e a integração regional, é fundamental para o sucesso do Brasil nessa transição.
Sul Global: A Voz das Economias Emergentes
O conceito de Sul Global transcende a mera geografia, representando uma coalizão de países em desenvolvimento e emergentes que compartilham desafios históricos e aspirações comuns. Abrangendo nações da América Latina, África, Ásia e Oceania, o Sul Global busca maior representatividade, autonomia e equidade nas relações internacionais.
A ascensão do Sul Global é um pilar da nova ordem multipolar. Esses países estão cada vez mais fortalecendo a cooperação Sul-Sul, construindo redes de apoio e desenvolvendo soluções para problemas globais, independentemente das potências tradicionais. Essa colaboração não apenas fortalece suas vozes em fóruns internacionais, mas também cria um contrapeso significativo à influência histórica do Norte Global (países desenvolvidos).
Em conclusão, a nova ordem mundial é um mosaico complexo de tendências convergentes e divergentes. A ascensão do BRICS e do Sul Global aponta para uma maior distribuição de poder, enquanto o protecionismo de nações como os Estados Unidos sob Trump sinaliza uma retração de alguns dos pilares da globalização. Nesse cenário fluido, o Brasil tem a oportunidade de consolidar sua influência, atuando como um mediador e defensor de um sistema internacional mais equilibrado e justo.
Referências
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- LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.
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- CASTRO, Marcus Faro de. A crise da nova ordem mundial e os desafios para o Brasil. Brasília: FUNAG, 2010.
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- VAZ, Alcides Costa. A política externa brasileira e os novos paradigmas do poder global. In: PINHEIRO, Leticia; MILANI, Carlos (org.). Política Externa Brasileira: dilemas e desafios. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 19-42.